O resgate da menina

Hind Rajab, palestina (foto: aljazeera.com)

Hind Rajab, de 6 anos, fazia mais uma das tantas transferências obrigatórias em Gaza, na Palestina. Ela estava com tio, tia e três primos num carro deixando uma região que seria bombardeada por israel (assim mesmo, sem capitular) e seguindo para outra, já bombardeada. A mudança seguia a ordem do exército de ocupação. Ela foi no carro a pedido dos pais, que seguiram a pé, mesmo na chuva.

No entanto, no caminho, o veículo se deparou com um tanque israelense. Uma prima mais velha de Hind ligou para o serviço palestino de emergência e pediu ajuda para avisar os militares que o carro seguia as ordens de evacuar a região.


O tempo da ligação foi suficiente para que, do outro lado, o atendente ouvisse a rajada que matou quase todos no carro. A ligação caiu.

Ao ligar de volta, quem atendeu foi Hind. Falando baixinho, ela contou que o tanque estava por perto e que seus parentes estavam, agora, dormindo. Ela foi orientada por telefone a se esconder sob o banco e não se deixar ser vista.

Hind disse estar com muito medo e pediu que fossem buscá-la. Perguntou se ele estava muito longe. O socorro estava relativamente perto, só que precisava da autorização do exército, que controlava a área. Mas como dizer isso à criança? Ainda assim, ele disse que a buscaria em uma hora.

A conversa entre a menina e o socorrista continuou e, depois da hora prometida, o resgate não chegou. A noite chegava e a escuridão amedrontou ainda mais Hind. Ela disse ao atendente que tinha medo do escuro e pediu para ele prometer que a tiraria de lá. Ele prometeu.

Nesse tempo, os telefonistas conseguiram contatar os pais de Hind e integraram as ligações. A mãe da menina conversou com ela e fez orações para acalmá-la enquanto esperavam o socorro. A pequena chorava e repetia cada palavra dita pela mãe.

Já de noite, horas após o primeiro ataque. Uma ambulância, finalmente, chegou para retirar a menina daquela situação. Haviam sido autorizados pelos israelenses a entrar e buscar Hind. Ela disse ao telefone que conseguia ver resgate chegando e a ligação caiu.

Um tanque atirou contra a ambulância e também contra o carro abrigo. Por 12 dias aquela mãe ficou na porta do hospital conferindo cada veículo que chegava trazendo algum ferido. Mas todos haviam morrido, Hind e os paramédicos que iam buscá-la. Isso só ficou claro quando os destroços e corpos foram encontrados.

Como eu sei de tudo isso? O serviço de emergência gravou e divulgou essa chamada.

Que fique o registro também por aqui. 

 

* Artigo publicado originalmente no jornal A União, em 24 de julho de 2024.

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