Em um cenário global onde a guerra às drogas frequentemente é desculpa e subterfúgio para intervenções militares, as ações dos Estados Unidos no Caribe e a recente megaoperação nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, revelam um perturbador paralelo. Ambas as situações, embora distintas em escala e geografia, operam sob uma lógica que normaliza a morte como ferramenta de política, substituindo processos legais por execuções sumárias. O que o filósofo camaronês Achille Mbembe certamente nomearia de “necropolítica”.
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Enquanto forças estadunidenses justificam ofensivas no Caribe sob a alegação de combate ao narcoterrorismo, no Rio de Janeiro, uma operação de proporções históricas resultou em 64 mortos e 81 presos. O discurso oficial classifica os atingidos como “narcoterroristas”, uma terminologia que desumaniza e, portanto, facilita a aceitação social de um resultado letal.
Cada vida tirada sem o direito a um julgamento justo representa uma falência do Estado Democrático de Direito e uma violação dos pactos civis mais elementares. A linguagem beligerante, emprestada de conflitos internacionais, cria um estado de exceção onde a execução extrajudicial torna-se a resposta- -padrão, e não o último recurso.
O paralelo entre essas realidades demonstra uma corrosão das garantias fundamentais no mundo (dito) civilizado. Quer seja sob a justificativa de segurança nacional, quer seja em combate ao crime organizado, o resultado é a mesma trágica banalização da morte. Quando os pequenos poderes passam a decidir quem merece viver ou morrer à margem dos tribunais ou mesmo das leis, a própria democracia entra em colapso.
*Fotos de Tomaz Silva/Agência Brasil.
**Texto publicado originalmente na edição de 29 de outubro de 2025 no jornal A União.




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