Gaza: trégua não silenciou os canhões

 

Em um domingo sangrento, o cheiro de fumaça e escombros mais uma vez se sobrepôs ao cheiro da morte em Gaza. Menos de dez dias após a entrada em vigor de um cessar-fogo que levou dezenas de milhares às ruas para comemorar um fio de esperança, os violentos estrondos dos bombardeios israelenses voltaram a soar sobre o território sitiado. O acordo, costurado com a mediação dos Estados Unidos, mostrou-se, desde o início, um mero paliativo.

A centelha que incendiou a já desacreditada trégua foi um confronto na cidade de Rafah, no sul de Gaza. O exército israelense relatou que seus soldados foram atacados por "terroristas" com disparos e um míssil antitanque, um episódio que resultou na morte de dois de seus soldados. Em uma resposta imediata e brutal, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu ordenou "ações vigorosas" contra dezenas de alvos palestinos em toda a Faixa de Gaza.

A retórica de guerra foi reacendida em Jerusalém, com o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir (notório terrorista envolvido em atos sanguinários desde a adolescência), exigindo publicamente que Netanyahu ordenasse um retorno aos combates "com força total".

Do outro lado, o Hamas negou qualquer envolvimento no incidente, afirmando estar comprometido com o acordo e não ter conhecimento de confrontos em Rafah, áreas que descreveu como "zonas vermelhas sob controle da ocupação". É lá, inclusive, onde homens do Isis se encontram e combatem, ainda hoje, contra militantes do Hamas.

Esta narrativa de acusações mútuas, porém, tem um custo medido em vidas humanas. Enquanto os líderes trocam acusações, a população civil de Gaza paga o preço mais alto. O governo local contabilizou, apenas no domingo, pelo menos 35 palestinos mortos em dezenas de bombardeios. De forma mais ampla, desde que o cessar-fogo, supostamente, entrou em vigor, em 10 de outubro, pelo menos 97 palestinos foram mortos e outros 230 ficaram feridos pelas forças sionistas.

Entre os mortos sob o cessar-fogo, está uma família inteira, composta por 11 membros – incluindo sete crianças com idades entre 5 e 13 anos. Seu veículo, que indicava claramente a sua natureza civil, segundo o Centro Palestino para os Direitos Humanos, foi bombardeado por Israel no dia 17 de outubro, quando viajavam do sul para a Cidade de Gaza.

Este trágico episódio não é um caso isolado, muito pelo contrário, é um retrato do cotidiano de horror que persiste. Como se não bastasse a violência das armas, Israel decidiu ainda, em meio à escalada, suspender o já precário envio de ajuda humanitária para a população faminta de Gaza, um ato que especialistas em direitos humanos classificam como uma forma de guerra pela fome. Ou, em outras palavras, a continuação do genocídio palestino.

Em meio à morte e à destruição (material e emocional), os frágeis mecanismos diplomáticos seguem seu curso. O corpo de mais um refém foi entregue pelo Hamas à Cruz Vermelha e transportado para Israel, um lembrete solene de como muitos israelenses também acabaram morrendo sob o peso das bombas sionistas em Gaza.

Enquanto isso, o Hamas acusa Israel de cometer 80 violações documentadas ao acordo, incluindo disparos diretos contra civis, bombardeamentos deliberados e detenções. Sem falar nos corpos de reféns palestinos que por anos estiveram encarcerados em presídios israelenses e agora foram devolvidos aos pedaços e com indícios de tortura e roubo de órgãos.

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