Certa vez estávamos, eu e um grupo de amigos, comendo e conversando em frente aos portões de Damasco, na entrada para a cidade antiga de Jerusalém, capital da Palestina. Muitos feirantes ocupam a entrada monumental em meio àquela muralha gigantesca e vendem de tudo. Na ocasião, quem estava lá eram idosas com molhos de ervas e verduras para vender.
Havia gente passando e parando para comprar ou admirada com a arquitetura milenar do lugar. Também havia turistas e crianças. Ora acompanhadas por algum adulto, ora em pequenos grupos só de infantes.
Ao me afastar um pouco para ver melhor aquela obra milenar preservada percebi que a única coisa que destoava era uma pequena torre cinza de aço, um elevado posto de observação de onde soldados sionistas vigiavam (e vigiam) todos que passam por ali.
O estado de israel mantém postos como esses, com câmeras e armas, perto das passagens nas cidades palestinas. Neste caso, os Portões de Damasco são a principal via que leva à mesquita de Al-Aqsa, ou Domo da Rocha, o segundo local religioso mais importante do mundo para os muçulmanos, ficando atrás apenas de Meca, na Arábia Saudita.
É costume (um mau costume) dos israelenses dificultar a travessia dos religiosos palestinos em épocas de festividades ou adoração, fechando os portões ou simplesmente proibindo a passagem de cristãos e muçulmanos. Esta é a razão das bases militares junto às entradas.
Foi quando eu já estava há poucos metros do posto militar que vi três meninos, de uns 10 anos de idade, passando correndo pelos portões. Um montava uma bicicleta, os outros dois o perseguiam. Todos às gargalhadas. A brincadeira chamou atenção de todos. Inclusive dos fascistas.
Seis ou sete militares com fuzis nas mãos e usando capacetes e mochilas de guerra, armados com granadas e pistolas, partiram para alcançar as crianças, que, seguiam na direção deles sem se dar conta que eram seu alvo.
Com violência, um dos soldados segurou a bicicleta, derrubando do selim o menino que a guiava. Os militares eram em maior número e logo agarraram as crianças pelos braços. Nenhum deles tentou fugir.
Com meu passaporte de turista sempre à mão, cheguei bem perto da “ação de guerra”. A virulência e a agressividade com que agiam já eram suficientes para perceber a injustiça.
A despeito das flagrantes demonstrações de opressão e tirania dos israelenses com os palestinos, o estado sionista procura manter uma imagem de democrático e humanista. Para isso, evita mostrar sua face dura na frente de turistas e jornalistas.
Ao perceberem minha presença, com máquina fotográfica no pescoço e kebab nas mãos, os soldados gritaram comigo algo que não entendi, mas que respondi, em inglês, perguntando o que estava acontecendo.
O militar que comandava a abordagem largou o menino e passou a se dirigir a mim. Sempre de forma ríspida, o milico explicou ser proibido para crianças andar de bicicletas ali. “Pelo jeito deve ser crime grave”, eu disse para o militar, que já havia me dado as costas.
A abordagem tinha terminado. Os meninos foram liberados durante a minha interrupção. O simples fato de haver alguém testemunhando a violência, inibiu os agressores. Israelenses investem há décadas na criação de uma imagem falsa de vítimas tentando se defender. Por isso querem calar ou adestrar a imprensa.
* Texto originalmente publicado no Jornal A União, no dia 5 de junho de 2024
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