Como se escreve a história

 

Nós assistimos à história sendo construída, mas também reconstruída a cada dia. É do conhecimento de todos que o registro que fica dos grandes acontecimentos são feitos pelos “vencedores”. A visão do lado que sobrepujou os demais acaba prevalecendo e, nos “anais do tempo”, é a versão que se perpetua.

Minha geração, os nascidos no fim do anos 1970 e início dos anos 1980, não viveu os horrores da Segunda Guerra Mundial (1939 e 1945), mas presenciou de maneira muito ativa a reconstrução de como ela ocorreu. E nesse caso, apesar de ainda ser a versão do lado vitorioso, há grandes divergências entre os fatos registrados e como a história é contada.

No mundo ocidental, hoje conhecido como Norte Global, se petrificou que foram os Estados Unidos da América os responsáveis por encerrar o conflito e dar cabo das forças nazistas que se espalhavam pela Europa. Inclusive ignorando as muitas referências que apontam para a origem estadunidense das teorias e inclinações higienistas posteriormente adotadas pela Alemanha ultranacionalista de Hitler.

Ignora-se também, com muita frequência, o fato de ter sido o Exército Vermelho, da União Soviética, que venceu a Batalha de Stalingrado, considerada uma das mais importantes daquela guerra. Foi depois dessa vitória, que os soviéticos avançaram sobre o território ocupado pelo Reich, culminando, em 1945, na tomada de Berlim.

Hoje, devido a esse tipo de dissonância contextual ou de “liberdade poética” midiática, chegamos ao ponto de vermos quem defenda que o nazismo e o comunismo eram uma coisa só. Absurdo total! Eram movimentos antagônicos. Além do fato já citado, se os nazistas viam como motivo para execução sumária de uma pessoa, ela ser judia, da mesma forma o faziam com comunistas.

Essas incoerências não ficam restritas aos estadunidenses (produtores dos enlatados midiáticos que promovem o auto-heroísmo). Muitos brasileiros e cidadãos de outros países colonizados culturalmente pelo Norte Global também têm essas crenças ignorantes apoiadas em resumos propositalmente enviesados.

Perceba, leitor, que a reconstrução dos fatos históricos acontecem bem na frente dos nossos olhos. A guerra de narrativas se dá, principalmente hoje em dia, graças à midiatização da vida e digitalização dos processos. E os “dois lados” correm pelo objetivo de se manterem vivos no final e ganharem os livros de história.

Exemplo disso é a fala de Benjamin Netanyahu, primeiro ministro de israel (assim mesmo, com i minúsculo, já que não reconheço como estado). Segundo ele, o Tribunal Penal Internacional (TPI) erra ao pedir a sua punição e a dos líderes do Hamas por crimes de Guerra e contra a humanidade. Segundo o premier, estão igualando “um estado democrático” com uma “organização terrorista que comete assassinatos em massa”.

Não fossem os fartos registros da própria Organização das Nações Unidas (ONU), talvez o mundo ficasse na ignorância promovida pela propaganda sionista que, com toda certeza orgulharia Joseph Goebbels. Mas o fato é que é impossível ignorar os 35.562 mortos, os 79.652 feridos e os milhares de desaparecidos na Faixa de Gaza, na Palestina, desde 7 de outubro de 2023.

Todos que acompanham as notícias, inclusive nas agências israelenses ou nas redes sociais de soldados sionistas, conseguem ver com clareza quem "usa a fome de civis como método de guerra"; quem "causa intencionalmente sofrimento ou lesões graves"; quem "dirige intencionalmente ataques contra uma população civil"; e quem "gera extermínio, inclusive no contexto de mortes causadas por inanição".

São essas as acusações feitas pelo procurador-chefe do TPI, Karim Khan, contra os representantes do estado sionista de israel, o premier Netanyahu, e o ministro da “Defesa”, Yoav Gallant. A fala do “açougueiro de Gaza” é uma mera tentativa de gerar dúvidas sobre uma realidade posta.

Esse registro está sendo construído agora mesmo, enquanto eu escrevo (ou você lê). Informar-se, entender os atores e como eles atuam nesse enredo é muito importante para garantir o máximo de fidelidade, ou pelo menos de vozes diferentes, ao que vai ficar para o futuro.

 

* Artigo publicado originalmente no jornal A União (com cortes para ajuste de espaço), em 22 de maio de 2024.

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