As matriarcas da minha família

Peço licença a quem, por ventura, ler este post, mas gostaria de dedicá-lo à matriarca da família Melo que morreu hoje (30/03). Este mês, o Departamento Pessoal do 'além vida' se cansou dos meus poucos parentes que estavam por lá e mandaram chamar mais gente. Nó último dia 12, minha tia, irmã do meu pai, nos deixou. Hoje, dia 30 de março, foi a minha bisavó, dona Nenzinha, Josefa Moreira de Melo.

Ela se tornou a matriarca dos Melo por herança do meu bisavô, Marciano Augusto de Melo, que morreu em 1979 pouco antes de eu nascer. A família Melo sempre foi, para mim, uma família de matriarcas. Quando eu nasci tanto meus bisavós paternos já haviam ido, do lado da minha mãe só restava minha bisavó. Meus avôs também morreram antes de eu nascer, restaram minhas avós.

Tudo bem, é um início bem fúnebre, mas é um desabafo. Aliás, desde que meus avôs morreram até este fatídico mês de março de 2006, ninguém mais da minha família havia atravessado a fronteira do firmamento. Até este ano.

As mulheres da minha família são fortes, a começar pela minha mãe. Eu tive pai, tenho ainda e vejo sempre, somos unidos. Aliás, tenho dois pais. O pai do meu irmão mais novo também me trata como filho mesmo tendo se divorciado da minha mãe há mais de 20 anos. Não tenho uma história triste para contar sobre minha família que justifique dizer que minha mãe é forte, é independente. Ela é porque é, porque decidiu ser, e quem conhece sabe como é.

Tudo bem, ela passou por apertos junto com minha avó Ode, quando meu avô morreu, eram cinco filhos e pouco dinheiro. Minha mãe se orgulha de dizer que começou a trabalhar aos 14 anos, minha avó se emociona com isso. Minha mãe casou e descasou várias vezes, tendo sido o primeiro casamento aos 17 anos. Diz ela que não agüenta moído de homem nenhum.

Minha avó paterna, dona Marina, viúva, sempre cuidou de todos, sempre, mesmo depois de ter seus filhos adultos e morando longe, se fez presente. Até hoje, sua principal característica é ser forte e decidida. Criou os quatro filhos muito bem, todos seguiram os caminhos que quiseram, mas bons caminhos. Quando ela está mal, não deixa que saibam, fica na surdina. Sempre foi independente e ainda o é.

Dona Ode, minha avó materna, tem uma história longa que, até hoje descobrimos novos capítulos. Mas de onde eu sei com certeza, ela perdeu o marido muito jovem ainda e, essa sim, passou maus bocados. Quando meu avô era vivo, a família tinha um padrão de vida quase luxuoso. Infelizmente ele não esperava morrer tão cedo e não deixou muita coisa para os que ficaram. Mas ela trabalhou, trabalhou e trabalhou e mostrou que sabe fazer.

Vovó Ode é o exemplo de como se deve correr atrás do que se quer. Minhas melhores lembranças dela são de ela arengando com o taxista, que, segundo ela, queria pegar caminhos mais longos para enganá-la, só por ela ser mulher. Depois com o moço da loja ou da farmácia e que "só faziam isso com ela por ela ser idosa". Ela não deixa barato. Ela batalhou muito na vida.

Por fim, chegou em Dona Nenzinha, pouco convivi com ela, que morava em Bom Jardim, Pernambuco, ma sempre foi referência para mim. Para mim, ela era a representante máxima da minha família. Ela era a mulher que mandava e desmandava, teve muitos filhos, somente uns sete 'se criaram' e hoje restam cinco.

Quando eu fui até Bom Jardim pra conhecê-la, eu já tinha uns 9 anos e tinha acabado de assistir no NE TV, da Globo Nordeste, uma matéria em que ela era a personagem principal. Era a mais velha candidata a vereadora do estado, como não lembro em que anos isso aconteceu exatamente (isto é um desabafo, não uma tese) não sei dizer a idade da minha avó, mas frase que ficou gravada da matéria na minha cabeça foi: "Já dei muito tiro de sal no prefeito quando ele era menino e vinha roubar goiaba", isso enquanto balançava a espingarda do feito.

Me lembro também que ela me deu um cabritinho, "pode escolher um que é seu e a gente cria ele aqui". Isso ficou marcado na memória porque, no ano seguinte, quando estive lá de volta, estava tendo um grande churrasco e os cabritos eram o prato principal. Chorei um dia inteiro.

Depois disso, muitas histórias surgiram, como a do menino que foi trocar as telhas da casa e pediu que ela segurasse a escada. Este era o combinado, mas quando minhas tias foram verificar, viram, dona Nenzinha com 84 anos em cima da escada reclamando com o menino que segurava o apoio; "esse menino não sabe de nada, muito menos trocar telha".

Há também a dos caminhões que saiam em carreata durante as eleições. Ela, claro, só queria ir se fosse na carroceria, junto com o "frejo", como diria minha mãe. Ela era realmente disposta. Não tinha tempo ruim. Dizem que era o terror das noras quando era mais nova, mas já conheci calma.

Certo, muitas histórias, mas uma eu presenciei. Numa bela manhã de domingo em Campina Grande, toca a campainha da minha casa, lá no Santo Antônio. "Quem será?" Era a matriarca, já com uns 86 anos ou mais, que resolvera de última hora visitar a neta. "Eu fui pra feira e um motorista de kombi disse que ia e voltava, no mesmo dia, para Campina Grande, aí eu peguei uma carona."

- Mas vó, a senhora avisou alguém antes de vir lá no sítio? Perguntou minha mãe.
- E eu preciso pedir permissão agora, é? Respondeu brava.

Depois dessa visita, estive mais um ou duas vezes em Bom Jardim, sempre planejando ir mais, sempre pensando em como seria bom fazer uma visita. Mas nesse meio tempo, minha avó começou a adoecer. Com 90 anos, depois de uma chata visita ao hospital, ela confessou para o bisneto que ela já nem reconhecia direito, "estou ficando velha." Rimos os dois, mas tive medo.

De lá para cá, ela piorou e acabou pulando de UTI para UTI sem nunca acordar. Não tive tempo ou não tive coragem para ir vê-la. Já tinha visto ela fraquinha, mas gosto de pensar nela como numa foto que fiz quando ela ainda estava forte, com seus mais de 80 anos. Soube, há poucas horas, que ela agora ia dar tiros de sal em outras bandas. Não consigo falar muito sobre "sentimentalismos" mas gosto de escrever. Este mês foi cheio de surpresas, ainda bem que ele acaba amanhã.

Comentários

  1. Triste motivo para um texto mais que perfeito. E, fazendo uso das palavras de um grande amigo: seria egoísmo nosso querer que os próximos permanecessem por essas paragens enquanto nós aqui estivéssemos;-)

    Paz.

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  2. Anônimo11:48 AM

    É uma honra poder conhecer e compartilhar com mulheres assim.
    Também fui criada rodeada por mulheres fortes.
    Só espero um dia algum neto poder dizer o quanto se orgulha de mim.
    Esse foi o melhor texto que vc escreveu esse ano.

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