O texto que segue abaixo não é meu, mas interessa aos paraibanos. Alías, aos brasileiros.
Ronaldo Cunha Lima mostra como o foro privilegiado tornou-se impunidade.
Era hora de almoço no restaurante Gulliver, em João Pessoa . Novembro de 1993, perto da Praia de Tambaú, dia de calor úmido. O então governador da Paraíba, Ronaldo Cunha Lima, entrou. Parecia bêbado. Andou trôpego até a mesa de seu antecessor e adversário, Tarcísio Burity, e deu três tiros à queima-roupa. Um acertou o rosto de Burity. A bala calibre 38 arrancou três dentes, cortou a língua e abriu um buraco na bochecha. Cunha Lima pode ter-se sentido cabra-macho, vendo o sangue manchar a toalha e o chão.
Na quarta-feira 31, a coragem lhe faltou. Aos 71 anos, ele renunciou ao mandato para fugir da Justiça. O deputado federal do PSDB da Paraíba cuspiu no prato que comeu durante 14 anos. O prato se chama "foro privilegiado".
Burity ficou dez dias em coma, três meses sem poder comer. Morreu do coração em julho de 2003. A viúva, a professora Glauce, reagiu com "muita indignação" quando soube que Cunha Lima tinha renunciado para evitar o julgamento no Supremo Tribunal Federal. "É uma covardia", disse. O ministro do STF, Joaquim Barbosa, também não se conteve: "O ato de Cunha Lima é um escárnio com a Justiça brasileira".
Barbosa, o ministro que botou os 40 mensaleiros em seu devido lugar (o lugar de réus), contava fazer História mais uma vez. Nunca antes no país o STF tinha levado um político a julgamento por crime comum. O processo contra o deputado tucano seria concluído nesta segunda-feira, 5 de novembro. Agora, volta à estaca zero, pode durar uns 12 anos, o crime deverá prescrever. "Isso mostra", disse Joaquim Barbosa, "quanto é perverso o foro privilegiado."
Por que o então governador queria matar Burity? Ninguém dispara três tiros só para dar um susto. Só não atirou mais porque o seguraram. Burity tinha denunciado corrupção na Sudene. A Sudene era dirigida pelo filho do acusado, Cássio Cunha Lima, hoje governador do Estado.
E por que o pai não recorreu a uma tocaia? Provavelmente por confiar na impunidade. Uns são mais iguais que os outros, Cunha Lima deve ter aprendido isso na vida de político no Brasil. Certamente não leu A Revolução dos Bichos , de George Orwell, uma fábula sobre desvios nas revoluções, desigualdade humana e a ostentação dos porcos.
O réu alega legítima defesa da honra. A declaração de Cunha Lima ao renunciar foi um primor: "Que esse povo ( da Paraíba) me julgue, sem prerrogativa de foro, como um igual que sempre fui". O ministro Barbosa espera que "haja juízes corajosos e independentes na Paraíba para julgá-lo". Tem de ser cabra-macho e não recuar no último momento.
Foi o repórter Matheus Leitão, de ÉPOCA em Brasília, quem deu com exclusividade, na edição da semana passada, a notícia de que o STF julgaria Cunha Lima. O caso estimula a discussão sobre uso de foro privilegiado em crimes comuns. Criado para evitar perseguições políticas, o foro privilegiado virou sinônimo de impunidade. A novela Cunha Lima também põe o dedo na lentidão do Judiciário. Por que um processo se arrasta por 14 anos?
Tem mais. Já pensou se a moda pega? No mensalão, bastará que os cinco deputados acusados no escândalo renunciem ou não se reelejam para tudo recomeçar praticamente do zero. Isso é que seria um tiro no pé. Da democracia.
REVISTA ÉPOCA
5 DE NOVEMBRO DE 2007
RUTH DE AQUINO
é redatora-chefe de ÉPOCA
raquino@edglobo.com.br
Ronaldo Cunha Lima mostra como o foro privilegiado tornou-se impunidade.
Era hora de almoço no restaurante Gulliver, em João Pessoa . Novembro de 1993, perto da Praia de Tambaú, dia de calor úmido. O então governador da Paraíba, Ronaldo Cunha Lima, entrou. Parecia bêbado. Andou trôpego até a mesa de seu antecessor e adversário, Tarcísio Burity, e deu três tiros à queima-roupa. Um acertou o rosto de Burity. A bala calibre 38 arrancou três dentes, cortou a língua e abriu um buraco na bochecha. Cunha Lima pode ter-se sentido cabra-macho, vendo o sangue manchar a toalha e o chão.
Na quarta-feira 31, a coragem lhe faltou. Aos 71 anos, ele renunciou ao mandato para fugir da Justiça. O deputado federal do PSDB da Paraíba cuspiu no prato que comeu durante 14 anos. O prato se chama "foro privilegiado".
Burity ficou dez dias em coma, três meses sem poder comer. Morreu do coração em julho de 2003. A viúva, a professora Glauce, reagiu com "muita indignação" quando soube que Cunha Lima tinha renunciado para evitar o julgamento no Supremo Tribunal Federal. "É uma covardia", disse. O ministro do STF, Joaquim Barbosa, também não se conteve: "O ato de Cunha Lima é um escárnio com a Justiça brasileira".
Barbosa, o ministro que botou os 40 mensaleiros em seu devido lugar (o lugar de réus), contava fazer História mais uma vez. Nunca antes no país o STF tinha levado um político a julgamento por crime comum. O processo contra o deputado tucano seria concluído nesta segunda-feira, 5 de novembro. Agora, volta à estaca zero, pode durar uns 12 anos, o crime deverá prescrever. "Isso mostra", disse Joaquim Barbosa, "quanto é perverso o foro privilegiado."
Por que o então governador queria matar Burity? Ninguém dispara três tiros só para dar um susto. Só não atirou mais porque o seguraram. Burity tinha denunciado corrupção na Sudene. A Sudene era dirigida pelo filho do acusado, Cássio Cunha Lima, hoje governador do Estado.
E por que o pai não recorreu a uma tocaia? Provavelmente por confiar na impunidade. Uns são mais iguais que os outros, Cunha Lima deve ter aprendido isso na vida de político no Brasil. Certamente não leu A Revolução dos Bichos , de George Orwell, uma fábula sobre desvios nas revoluções, desigualdade humana e a ostentação dos porcos.
O réu alega legítima defesa da honra. A declaração de Cunha Lima ao renunciar foi um primor: "Que esse povo ( da Paraíba) me julgue, sem prerrogativa de foro, como um igual que sempre fui". O ministro Barbosa espera que "haja juízes corajosos e independentes na Paraíba para julgá-lo". Tem de ser cabra-macho e não recuar no último momento.
Foi o repórter Matheus Leitão, de ÉPOCA em Brasília, quem deu com exclusividade, na edição da semana passada, a notícia de que o STF julgaria Cunha Lima. O caso estimula a discussão sobre uso de foro privilegiado em crimes comuns. Criado para evitar perseguições políticas, o foro privilegiado virou sinônimo de impunidade. A novela Cunha Lima também põe o dedo na lentidão do Judiciário. Por que um processo se arrasta por 14 anos?
Tem mais. Já pensou se a moda pega? No mensalão, bastará que os cinco deputados acusados no escândalo renunciem ou não se reelejam para tudo recomeçar praticamente do zero. Isso é que seria um tiro no pé. Da democracia.
REVISTA ÉPOCA
5 DE NOVEMBRO DE 2007
RUTH DE AQUINO
é redatora-chefe de ÉPOCA
raquino@edglobo.com.br
É um absurdo, ele já deveria ser condenado, não digo que na cadeia, por que seria desumano, apesar de tudo, ele não tem condição de estar preso, mas de repente, quem sabe, prisão em domicílio. Isso já me daria alegria, por ter sido feito justiça! Esse sim, é um verdadeiro Fanfarrão, 07, tira a calça dele... hahaha
ResponderExcluirAbração!! ;)